Enquanto redigia o artigo anterior, eu observava a minha realidade atual sob os dois pontos de vista que só conhece quem passou pelo que você está passando e chegou onde você quer chegar. É muito interessante como as interpretações dos mesmos fatos são complementares e não contraditórias, mas mudam ao longo do tempo. Aliás, é interessantíssimo como o ponto da vida em que nos encontramos nos faz perceber coisas diferentes diante dos mesmos quadros e, mais ainda, como a percepção da passagem do tempo é diferente quando estamos na faculdade, na residência, no início da ascensão profissional ou em “velocidade de cruzeiro”.
Comprometi-me a falar sobre certezas que se consolidaram 20 anos após minha entrada na faculdade de medicina. Essas certezas povoarão esse e mais alguns artigos.
1. Preparar-se ao Máximo para a carreira como médico. E Agora!
A tendência à procrastinação é tão universal quanto antiga, e muito mais proeminente no brasileiro que em outros povos. Não me aterei às causas disso, mas às suas consequências.
Em relação à formação médica, todos nós tendemos a “deixar mais pra frente” assuntos com que temos menos afinidades e maiores dificuldades. Isso é especialmente comum com Neuro.
Eu também agi assim e posso afirmar: não existe o “mais pra frente”! O que deixamos para o futuro nunca será, de fato, absorvido, porque novas prioridades vão aparecendo e aquilo que não estava como nossa prioridade no passado não terá lugar prioritário no futuro. O futuro pertence ao futuro, não ao passado.
Aquilo que você sabe que precisa ser aprendido agora tem que ser estudado agora! Só nos damos conta disso quando, inesperadamente (como quase tudo em medicina), precisamos de um determinado conhecimento que não temos, mas sabemos onde e quando poderíamos tê-lo adquirido.
Eis, então, a primeira lição que deixo: Preparar-se ao Máximo, e Agora! Nós não escolhemos os momentos decisivos: são eles que nos selecionam. Precisamos estar preparados ao máximo em cada momento de nossa jornada. Por isso, não deixe “pra depois” o que pode e deve (intimamente sabemos o que devemos fazer…) ser aprendido agora.
2. Identifique suas Deficiências: As que podem e as que não podem ser sanadas.
Advogo sempre que a entrada na universidade é o momento de nos desfazermos de ilusões e “cairmos na (vida) real”. Ao escolhermos um determinado curso superior, admitimos determinadas aptidões e determinadas limitações. Acontece que somos limitados mesmo dentro de nossas aptidões! Admitir as dificuldades é passo necessário rumo à maturidade, mas não suficiente. Infelizmente, a maior parte das pessoas (pelo menos as com quem convivi) até conseguiu identificar suas deficiências e dificuldades mas optou por negligenciá-las, enquanto uma minoria resolveu encará-las e dedicar mais energia, tempo e técnica à superação. Não precisa dizer quem – passados alguns anos – chegou aonde queria…
Falando especificamente de Neuro, é muito comum que alunos a enxerguem como indigesta, difícil, complicada, por razões que já discorri noutros artigos. Mas é próprio dos bem-sucedidos se munir de todas as armas, aceitar o desafio e vencê-lo. Posso afirmar que esse é o tipo de dificuldade que sempre pode ser superado, bastando a dose mínima de genuíno interesse, esforço, técnica e energia. Os recursos didáticos hoje são infinitos, a disponibilidade de material é ampla como nunca, embora muitos acadêmicos – como sempre – optem pelo cômodo caminho da mediocridade.
Há, contudo, dificuldades que são inerentes à individualidade de cada um e, tanto na escolha da carreira, quanto da especialidade, devem ser respeitadas e valorizadas. Essas dificuldades abrangem uma infinidade de aspectos da vida de médico – da aptidão às intervenções, por exemplo, à delimitação de uma determinada rotina de vida. Elas devem nortear as escolhas e, sobretudo, as exclusões.
Ocorre que, uma vez dentro da especialidade que você escolher, as cobranças se concentrarão naquela área que foi Escolhida, à qual você resolveu dedicar seu tempo e seu cérebro. Apesar disso, toda aquela bagagem adquirida ao longo da formação geral (à qual me referi no item anterior), é fortíssimo elemento diferenciador. Vinte anos depois, não apenas estimo: afirmo!